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Berghain: conversamos com quem já viveu a experiência do club alemão

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Meus queridxs ravers! Hoje o papo vai ser pesado, não só pelo tema, mas pelos nossos convidados super especiais que participaram do conteúdo, cês tão prontos? Então sigam o baile com a gente. Todo techneiro de verdade já deve ter escutado falar no Berghain ao menos uma vez na vida. O conceituadíssimo club alemão é provavelmente um dos mais famosos e exclusivos do mundo e se mantém fiel às suas raízes.

O Berghain conquistou a fama mundial muito por sua restrita door policy — que até hoje dá muito o que falar — te fazendo dar meia volta sem nenhum motivo específico, mas não é só isso. As festas por lá chegam a durar mais de 24h (bem mais!), muitas começam na sexta e terminam só na segunda, com grandes artistas comandando o som sem alívio em uma pista escura e intensa. Há também os quentíssimos dark rooms, salinhas com banheiros unisex onde rolam encontros entre alguns berghain-clubbers.

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O local por si só surpreende ao primeiro olhar, já que sua estrutura foi montada em uma antiga central nuclear abandonada na cidade de Berlim, na Alemanha. Desde 2004, os DJs de techno mais renomados do mundo já subiram nas cabines, só para você ter ideia, dois dos residentes são Ben Klock e Marcel Dettmann. Tá bom ou quer mais? Acho que dá para ter uma noção das noites que rolam por lá.

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Como ainda não realizamos o sonho de ficar cara a cara com Sven Marquardt — um dos carinhas que controla quem entra [ou não] no club — pegamos alguns depoimentos de artistas brasileiros envolvidos com música eletrônica que já conseguiram viver a experiência de uma noite neste verdadeiro monastério do techno, uma conquista no mínimo invejável. Se liga nessa entrevista coletiva maneiríssima que rolou para ajudar você a entender melhor como é o clima do Berghain:

Como você observou o relacionamento da comunidade gay com o Berghain? Sabemos que isso está intrínseco na cultura do club, mas como é exatamente na prática?

Arthur Cobat (Produtor 101Ø e booker do Deputamadre Club): Eu sou um homem gay, então uma das coisas que me despertou interesse (além da música) quando fui, foi justamente entender esse comportamento do público no local, que é tão falado por quem já tinha visitado. A cultura noturna da cidade tem uma liberdade sexual muito forte e isso pode ser observado lá dentro da Berghain. É importante lembrar que existe no mesmo prédio do club o Lab.Oratory, outro espaço, com uma portaria diferente, mas que rolam diversas festas fetichistas (na grande maioria mais voltada para um público gay e menos LGBTQI), então acaba muita gente ficando um tempo no Lab.Oratory e depois indo pro Berghain e vice-versa. Geralmente essas pessoas que estavam no Lab.Oratory são claramente percebidas no meio das outras pessoas que estão na Berghain (pelas roupas BDSM; práticas de Pet-Play etc).

O espaço do Berghain é gigante e existem várias áreas de darkroom espalhadas e escondidas pela usina. O darkroom mais cheio é o do primeiro piso, onde tem uma espécie de “labirinto”, você vai desbravando esse espaço, subindo escadas, descendo, encontrando gente transando no caminho etc. O público gay é bem presente em todas as pistas, desde o cara mais padrãozão (lembre da The Week) até as gays mais montadas e afeminadas. A parte mais interessante é que todo mundo convive muito bem lá dentro. Nunca ouvi nenhum relato de preconceito com pessoas homossexuais no Berghain (vindo de pessoas héteros etc).

Inclusive, é um local que desperta os desejos mais safados que se pode ter. O espaço inteiro é propício a isso, onde você pode ser você na mais pura essência. Eu posso estar sendo um pouco injusto em falar que todos são aceitos com seus corpos no local, porque na verdade senti um pouco de bloqueio de gays nativas com estrangeiros, principalmente se você não tem um corpo padrão etc., uma realidade de todo local no universo, lá não seria diferente, porque as pessoas não são. O Panorama Bar e o lounge que tem próximo a pista, depois do darkroom, é onde você pode conhecer mais pessoas LGBTQI+. Na pista do Berghain as musculosas estão em maior quantidade. Basicamente é isso.

Você conseguiu observar brasileiros na pista? De uma forma geral, temos o perfil que eles buscam para o club?

Camila Giamelaro (Binaryh): Não consegui identificar brasileiros lá, exceto os que me acompanharam no club. Acredito que quem estava lá dentro, mesmo que pela primeira vez, entendeu o espírito do club e não observa nada com estranheza. Lá o público é super focado na música e nos artistas que se apresentam, então não há espaço para troca de olhares e closes.

Acho que se pensarmos na nightlife brasileira como um todo, ainda não estamos preparados para vivenciar uma noite (ou dia) no Berghain, mas temos um nicho que está há algum tempo levantando a bandeira underground — e sabemos que alguns se inspiraram justamente no Berghain para criar a sua identidade — e esses sim se sentiriam em casa! Eu mesma queria poder viver aquele espírito de liberdade deles toda vez que eu saio.

Como você avalia a conexão do DJ com o dancefloor na pista do Berghain?

Amanda Mussi (líder da festa Dusk): Quando você está na cabine do Berghain parece que o clube é bem menor e só tem 200 pessoas dançando ali na sua frente, não dá pra ver todo mundo, o que é até bom, pois você se sente mais protegida ali, mais intimista, não é intimidante como a perspectiva do público, parece que a cabine foi desenhada propositalmente para o DJ ficar super confortável ali, então você acaba vendo mais quem está no front.

Minha experiência particular foi puro amor porque tinha um mar de amigos próximos comigo, eu só via rostos conhecidos ali na frente e foi a experiência mais foda da minha vida. Você consegue ver bem pouco do público, mas com as luzes e os flashes de vez em quando tem momentos que dá para enxergar o fundo da pista e os corpos em movimento, é uma onda forte que bate ali de energia coletiva, você meio que não vê todo mundo, mas sente quando tá rolando aquela catarse e que está todo mundo dançando, difícil de explicar em palavras.

Conexão Brasil-Berghain: em sua jornada clubber, você já presenciou algo semelhante a atmosfera do club berlinense em relação às pistas brasileiras?

Claudia Assef (Music Non Stop): Como eu entrei na lista do Thomas Melchior nas duas vezes que fui no Berghain não senti aquele dramão da door policy e entrei bem plena. A pista eu achei incrível, mas falando bem a real, já vivi experiências de pista aqui em SP bem parecidas ou até melhores.

Ao seu modo de ver, como o público alemão lida com a questão da longa duração das festas no Berghain e em seus principais clubs?

Marcelo Madueño (Entourage/Tantsa): A relação do alemão com o entretenimento noturno é diferente da que vemos por aqui. Os clubes berlinenses permitem a entrada e saída dos clientes mediante o pagamento de apenas uma entrada. O que pode ser visto é que o público pega seu stamp ao entrar, e muitas vezes volta para casa para dormir ou sai para comer e volta mais tarde, alguns até descansam dentro dos clubes, isso garante também uma circulação maior de pessoas na festa.

Você teve ou testemunhou alguma experiência curiosa no processo de fila/entrada para o Berghain?

Ella Whatt (Drunky Daniels): Como não se trata de qualquer fila, o “face control” assusta e era assim que eu me encontrava naquela fila, nervosa [risos]. Eu pensava: “será que vou entrar ou perder tempo na fila? Tô passando um baita frio para chegar na hora e receber um não?!”. Enquanto isso, naquela longa fila, vi muitas tribos, pessoas que iam sozinhas, outras em grandes grupos, as que faziam muita arruaça era só esperar e ver que não entrariam, por isso eu estava na minha, com o Vini, esperando a nossa vez chegar. Ouvi muito que era só ir de preto que ia dar boa, mas não é uma regra, pois vi muita gente de preto ser barrada e alguns de colorido entraram sem problemas.

Vi gente que dizia estar na lista do DJ ser barrado. Algumas pessoas tentaram se comunicar com a gente durante a espera, mas fizemos de conta que não entendamos. Quando chegou a nossa vez eu tava com coração na boca, eu queria muito entrar! Mesmo com todo o lance de aprovação também, no fim deu tudo certo, colocaram um adesivo na câmera dos nossos celulares e partimos pra dentro. Que lugar incrível, a experiência lá dentro é surreal. Tem tanta gente diferente que na fila não dá para imaginar. Já quero voltar.

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Como você avalia a conexão do público do club com uma abordagem mais clássica dentro da house music?

Albuquerque: Bem, eu não vejo de fato o house clássico presente na pista do Berghain. O som que rola lá é muito mais experimental do que o house dos anos 80 de Chicago. Em sua maioria é uma linha de techno extremamente futurista, acelerada (sem regras, mas normalmente entre 130 e 135 bpm) e que é bem representada por seus residentes, Ben Klock, Marcel Dettmann, Marcel Fengler e outros.

Existe a pista 2 do club chamada Panorama Bar, lá há uma estética mais próxima do que pode-se entender como house, mas que não me parece clássico também. É algo bem alemão. Artistas mais conhecidos do público brasileiros se apresentam com regularidade como Solomun, Ame, Cassy e Gerd Janson. Mas na minha opinião, os artistas que realmente apresentam o som do club são Justin Cudmore, Thomas Zip, Sonja Moonear, entre outros que fazem linhas mais voltadas ao underground que é a cara do club. Você pode passar uma noite inteira lá com eles sem precisar ouvir um vocal sequer e isso é muito legal, é o estilo deles, mas que não tem a ver com o house clássico que você mencionou. O som de lá já tem uma cara própria. É house/techno alemão.

Quais características mais chamaram sua atenção durante sua experiência no Berghain?

Ney Faustini: Atmosfera da pista, com soundsystem redondo e um público preocupado basicamente em dançar e se divertir. São percepções semelhantes com a da primeira que vez fui em 2011, e na última em 2018. A door policy pode ser controversa, mas de alguma forma ajuda a manter a essência do lugar.

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